Da sorte à estratégia e além: Os jogos e suas categorias

A classificação dos jogos é um campo complexo e multifacetado. Desde os tempos medievais, os jogos têm sido categorizados de diferentes maneiras, mas, devido à infinita diversidade de características, encontrar uma classificação unificada é uma tarefa desafiadora. No entanto, ao explorar as principais abordagens teóricas sobre a classificação dos jogos, podemos obter uma compreensão mais profunda sobre o que esses jogos representam e como se conectam a aspectos culturais, sociais e psicológicos.

Sorte, Habilidade e Estratégia

Uma das distinções mais importantes ao classificar os jogos envolve a relação entre sorte, habilidade e estratégia. Alguns jogos dependem exclusivamente da sorte, como os jogos de azar, onde o resultado é determinado pelo acaso, como nas roletas e nos dados. 

Outros jogos, como o xadrez, exigem habilidade e raciocínio estratégico, com os jogadores controlando suas ações para alcançar os objetivos.

Porém, existem também jogos que combinam sorte e habilidade, o que torna a classificação mais desafiadora. Nos jogos de azar, a sorte é predominante, mas em muitos casos, como no pôquer, a habilidade e a estratégia podem influenciar significativamente os resultados, mesmo que o fator sorte esteja presente.

Tipos de informação: imperfeita vs. perfeita

David Parlett, em sua tipologia, introduz a ideia de jogos com diferentes níveis de informação. 

Em jogos de informação perfeita, como o xadrez, todos os jogadores têm acesso completo a todas as informações sobre a situação do jogo, permitindo que decisões sejam baseadas em análises racionais. A transparência é total, e as variáveis do jogo são conhecidas por todos.

Já os jogos de informação imperfeita, como o pôquer, possuem um grau de incerteza, pois os jogadores não têm acesso total à informação. Isso cria uma dinâmica diferente, onde a estratégia e a capacidade de ler os adversários se tornam tão importantes quanto as próprias regras do jogo. 

Esse contraste entre jogos de informação perfeita e imperfeita reflete a diversidade nas abordagens lúdicas e nos tipos de interação que os jogos podem proporcionar.

Categorias dos jogos

Roger Caillois, um dos teóricos mais influentes da área, propôs uma tipologia que classifica os jogos em quatro categorias principais: agôn, alea, mimicry e ilinx.

  • Agôn: São os jogos de competição, nos quais a rivalidade e a busca pela superioridade são essenciais. Exemplos típicos incluem esportes e jogos de tabuleiro como o xadrez. A habilidade do jogador é decisiva para o sucesso.
  • Alea: Aqui, a sorte é a principal força, e os jogos são definidos por eventos aleatórios. Jogos como a roleta e dados entram nessa categoria. Os jogadores não têm controle direto sobre os resultados, sendo a fortuna o principal fator de sucesso.
  • Mimicry: Nos jogos de simulação, os jogadores assumem papéis fictícios e interagem dentro de ambientes criados, seja no mundo real, como no RPG de mesa, ou no virtual, como nos videogames. Esses jogos proporcionam uma experiência imersiva e educativa.
  • Ilinx: Menos comuns, os jogos de ilinx são caracterizados por experiências sensoriais intensas, como os giros e desequilíbrios, que podem ser encontrados em atividades como os brinquedos de parque de diversões.

Essa tipologia de Caillois ajuda a entender as variadas dimensões do jogo, não apenas como uma forma de entretenimento, mas também como uma experiência culturalmente rica, capaz de explorar diferentes facetas da natureza humana.

A complexidade da classificação

Apesar das categorias propostas, a classificação dos jogos está longe de ser simples. 

A riqueza e diversidade dos jogos modernos, especialmente com o advento dos jogos digitais, desafiam as antigas formas de categorização. Nos jogos digitais, por exemplo, podem coexistir múltiplos aspectos de sorte, habilidade, simulação e competição.

Ademais, muitos jogos contemporâneos, como os jogos de realidade aumentada ou as experiências imersivas, ultrapassam os limites de categorias anteriores, criando novas formas de interação que vão além do que os jogos tradicionais permitiam.

Conclusão

A classificação dos jogos, embora desafiadora, nos ajuda a compreender suas diferentes dimensões, seja no plano cultural, social ou psicológico. Por meio dessa análise, podemos perceber como os jogos refletem a complexidade da experiência humana. Em vez de vê-los como uma forma única de atividade, podemos perceber os jogos como um campo rico e diversificado, com muitas camadas de significado e impacto, tanto no passado quanto no presente.

Através de tipologias como a de Caillois ou a análise de informações no jogo, podemos apreciar as diferentes formas de jogo e a forma como elas refletem e moldam as culturas e os comportamentos. A classificação dos jogos, portanto, é mais do que uma simples tarefa de organização, mas um convite a explorar a complexidade de uma das atividades mais universais e antigas da humanidade.

Para saber mais…

Abt, Clark C. (1970), Serious Games, New York: The Viking Press.

Arcangeli, Alessandro (2003), Recreation in the Renaissance: Attitudes Towards Leisure and Pastimes in European Culture, c. 1425–1675, New York: Palgrave Macmillan.

Avedon, Elliott M. & Brian, Sutton-Smith (2015/1971), The Study of Games, New York & Tokyo: Ishi Press.

Caillois, Roger (2001), Man, Play, and Games, Transl. Mayer Barash, Urbana and Chicago: University of Illinois Press.

Huizinga, Johan (1949), Homo Ludens: A Study of the Play-Element in Culture, Oxon: Routledge [Kindle edition, 2009].

Parlett, David (1999), The Oxford History of Board Games, Oxford: Oxford University Press.Stenros, Jaakko (2017), The Game Definition Game: A Review, Games and Culture 12(6): 499–520.

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